Levantamento das Políticas de Ação Afirmativa nas Universidades Públicas brasileiras (2022)

Pioneiras na implementação das ações afirmativas no Brasil, as universidades estaduais se valeram de leis estaduais e de suas próprias resoluções para darem vida à política. As adesões iniciais se concentraram entre 2003 e 2007, já somando 24 casos. A partir de 2020, todas as estaduais já possuíam algum tipo de ação afirmativa. Diante dessa realidade, seus desafios atuais se encontram em aprimorar qualitativamente os modelos de ações afirmativas existentes.

Influenciadas pelo pioneirismo das universidades estaduais, por pressões advindas de setores da sociedade civil (notadamente, dos movimentos negros) e por incentivos do Governo Federal, as universidades federais começaram a implantar medidas de inclusão já em 2004. Na primeira década, o pico de adesão se deu em 2008, com 12 casos, um provável efeito do REUNI (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais), criado pelo Governo Federal em 2007 para promover a expansão e a interiorização do ensino superior. Em 2012 temos outro pico de adesões, desta vez motivadas pela Lei 12.711, quando universidades federais reticentes às ações afirmativas foram obrigadas a adotar as medidas. Em 2014, ou seja, em menos de 4 anos após a aprovação da lei, que era o prazo estabelecido em sua redação, a política atingiu a totalidade das universidades federais. As novas universidades federais que foram criadas em 2019 já contaram, desde o início, com ações afirmativas em seus processos seletivos.

O gráfico mostra que de 2013 a 2020 houve um crescimento contínuo da oferta de vagas reservadas nas universidades estaduais e uma certa estabilidade no nível de vagas ofertadas na ampla concorrência. Isso é consequência da expansão das ações afirmativas nessas instituições, seja pela criação de novos programas ou expansão dos já existentes. Contudo, durante a pandemia da Covid-19, essa tendência se alterou, com uma queda geral da oferta de vagas registrada em 2021, que afetou mais as parcelas reservadas do que a ampla concorrência. Em 2022, porém, o número de vagas reservadas voltou a subir vigorosamente, a tal ponto que elas praticamente se equipararam às de ampla concorrência pela primeira vez na série histórica dos levantamentos do GEMAA.

Diferentemente das universidades estaduais, nas quais o número de vagas reservadas só se equiparou ao da ampla concorrência em 2022, nas federais houve uma ultrapassagem já em 2016. A Lei 12.711, de 2012, estabeleceu uma reserva mínima de 50% das vagas, mas algumas instituições mantiveram seus programas de cotas desenhados anteriormente (desde que respeitassem os parâmetros mínimos da lei), ou mesmo criaram novos, o que ajuda a aumentar o número de vagas reservadas. A queda nas vagas de ação afirmativa nas federais em 2021 parece ter sido um fato circunstancial. A pandemia, entre outras coisas, reduziu a força dos quadros burocráticos das universidades federais e enxugou o seu orçamento, fazendo com que algumas delas deixassem momentaneamente de oferecer vagas para grupos minoritários específicos, sobretudo via vestibulares próprios. O ano de 2022 mostra uma retomada da trajetória que observávamos antes da pandemia, com uma recuperação das vagas reservadas nas federais, que cresceram mais do que as da ampla concorrência.

Os programas de ação afirmativa nas universidades estaduais não seguem todos os mesmos parâmetros, pois foram criados ou por leis de cada estado ou por iniciativas internas às universidades. No gráfico abaixo, que desagrega a oferta de vagas reservadas por tipo de beneficiário, notamos que a queda da oferta de vagas reservadas observada em 2021 se deu praticamente na modalidade com recorte racial, enquanto o crescimento em 2022 aconteceu na modalidade com recorte racial e na modalidade “outros beneficiários”, que aglutina categorias diversas como populações ribeirinhas, populações do campo, pessoas trans etc. Em outras palavras, há uma clara tendência de expansão das políticas de ação afirmativa para essas outras categorias de beneficiários. É digno de nota o fato de que a proporção de reservas de vagas com recorte racial se equiparou à de reservas sem corte racial, pela primeira vez na série histórica.

A guinada de 2021 para 2022 mostra uma realidade interessante quanto aos recortes das políticas de ação afirmativa nas universidades federais. As variações percentuais de tais recortes foram pequenas de um ano para o outro. O único segmento que efetivamente cresceu foi o racial, em 1%. Esse crescimento representa, no entanto, algo significativo, dado que, somados, todos os outros recortes não ultrapassam o racial em termos numéricos. As vagas de ampla concorrência, o recorte não-racial (cotas sociais) e as vagas para PCDs todos caíram, na proporção de 1%.

Proporção de vagas reservadas nas universidades federais e estaduais (2013 – 2022)

As universidades estaduais foram as primeiras a implementar ações afirmativas, no começo dos anos 2000, mas nunca destinaram mais vagas às cotas do que à ampla concorrência. Desde que a Lei 12.711 começou a ser aplicada nas universidades federais, a partir de 2013, a diferença no que concerne a proporção de vagas reservadas nessas instituições, em relação às estaduais, sempre foi positiva, atingindo um ápice em 2016. Entre 2019 e 2021, a vantagem das federais quanto à implementação das vagas de ação afirmativa se manteve, mas não ultrapassou a marca dos 8%. Finalmente, em 2022, as reservas de vagas cresceram mais nas universidades estaduais do que nas federais, levando essa diferença para um mínimo histórico, na casa dos 3% ainda em favor das federais. Mesmo que necessitemos de mais dados confirmatórios, esse padrão parece indicar que as federais, por razão da política única implantada a partir de 2013, serviram de meta para as universidades estaduais, que foram coletivamente fazendo ajustes de suas variadas políticas de modo a atingirem um patamar de inclusão similar, algo próximo a um fenômeno catch up de mudança institucional.

A passagem de 2021 para 2022 apresentou cenários diferentes para universidades federais e estaduais. As universidades federais viram as cotas raciais crescerem 1% de um ano para o outro, enquanto, nas estaduais, o crescimento foi de 3%. As cotas não-raciais (sociais), por sua vez, seguiram por caminhos similares, recuando 1% nas federais, e 2% nas estaduais. Finalmente, as vagas para PCDs decresceram 1% no caso das federais e aumentaram na mesma medida no caso das estaduais. Digno de nota é o fato de, no período, as universidades estaduais atingirem um resultado inédito: a equiparação em 21% das cotas raciais com as não-raciais (sociais) – a tendência dessas universidades sempre foi oferecer mais vagas do último tipo.

A passagem de 2021 para 2022 apresentou cenários diferentes para universidades federais e estaduais. As universidades federais viram as cotas raciais crescerem 1% de um ano para o outro, enquanto, nas estaduais, o crescimento foi de 3%. As cotas não-raciais (sociais), por sua vez, seguiram por caminhos similares, recuando 1% nas federais, e 2% nas estaduais. Finalmente, as vagas para PCDs decresceram 1% no caso das federais e aumentaram na mesma medida no caso das estaduais. Digno de nota é o fato de, no período, as universidades estaduais atingirem um resultado inédito: a equiparação em 21% das cotas raciais com as não-raciais (sociais) – a tendência dessas universidades sempre foi oferecer mais vagas do último tipo.

Percentual de reserva de vagas por região em 2022

Em 2022, as universidades federais reservaram mais vagas que as estaduais em três das cinco regiões brasileiras. As diferenças mais significativas se encontravam respectivamente no Sul (12%) e no Nordeste (7%). A vantagem das federais foi apertada do centro-Oeste (1%), e inexistente no Sudeste. A região Norte foi a única em que as universidades estaduais reservaram mais vagas que as federais. A dianteira, nesse caso, foi considerável (14%).

Variação percentual do número total de vagas por região (2021 x 2022)

No geral, os dois tipos de instituição reverteram a variação negativa do período imediatamente anterior. Porém, considerando as vagas disponibilizadas nas universidades públicas em termos percentuais comparativos, as universidades estaduais tiveram um crescimento mais de 8% superior ao das federais, de 2021 para 2022. Desagregando por região, vemos que, em 2022, os processos seletivos das federais, comparativamente aos das estaduais, abriram mais vagas no Centro-Oeste e no Sudeste. Contudo, ainda que a oferta das estaduais tenha variado negativamente nessas regiões este ano, ela aumentou, em proporções consideráveis, no Nordeste e no Norte.

Variação percentual do número total de vagas reservadas por região (2021 x 2022)

Presentes em maior quantidade ao longo do território nacional, as universidades federais oferecem, em números totais, mais do que o dobro de vagas reservadas que as estaduais. Entretanto, em termos percentuais, a virada de 2021 para 2022 mostrou tendência inversa: as universidades estaduais aumentaram sua proporção de vagas reservadas em mais de 18% acima das federais, no período considerado. Essa diferença de proporções de crescimento foi observada para as políticas de ação afirmativa em todas as regiões brasileiras com exceção da Centro-Oeste, onde variou negativamente. A região Nordeste é aquela em que a diferença favorável às estaduais foi a mais elástica, tendo ficado na casa dos 54%.