Boletim de raça e gênero na publicidade (2018- 2023)

Desde 2019, o GEMAA monitora as desigualdades de raça e gênero nos anúncios publicitários brasileiros de grande circulação impressa. Nosso primeiro levantamento analisou uma amostra aleatória de 370 edições da revista Veja e mais de 13 mil modelos publicados em seus anúncios entre 1987 e 2017. Os resultados mostram grandes desigualdades de gênero e ainda mais severas desigualdades raciais. Mulheres não brancas são apenas 4% dos modelos contra 46% de homens brancos. Mulheres brancas têm uma presença maior, mas costumam estar insuladas em anúncios estereotipados de cosméticos, joias e roupas.

Com o objetivo de atualizar este levantamento, apresentamos a seguir as tendências dessas desigualdades entre 2018 e 2023. Como é possível perceber, os números mudaram pouco. Ao todo, foram codificadas 60 edições selecionadas aleatoriamente da revista Veja, 817 anúncios e 752 modelos. Nosso intuito foi averiguar em que medida há diversidade de raça e gênero nos anúncios, bem como verificar a forma como os modelos são representados.

Seguem os cinco gráficos com os principais resultados.

Percentual de raça entre brancos e não brancos nos anúncios da revista Veja (2018-2023)

Mesmo neste período recente, o percentual de modelos brancos é preponderante, com 83% contra 17% de não brancos, isto é, proporção quase 5 vezes maior. Os modelos foram identificados por heteroclassificação, considerando as categorias branco, preto, pardo, amarelo e indígena. Este gráfico e os demais, porém, contam apenas com brancos, pretos e pardos – sendo os últimos identificados como não brancos -, visto que o percentual de amarelos e indígenas somados chegam a somente 2%.

Percentual de raça e gênero nos anúncios da revista Veja (2018-2023)

Sem contar com raça, o percentual de gênero é mais ou menos equilibrado, com 47% de mulheres, 50% de homens e 3% de modelos não identificados pela equipe. Porém, percebe-se que dentro do recorte de gênero, 3 o que mais destoa é o percentual tanto de homens brancos como de mulheres brancas, com preponderância do primeiro. O percentual de raça e gênero mostra como há maioria de homens brancos, seguido de mulheres brancas, e em uma proporção bem menor, temos mulheres não brancas seguidas de homens não brancos. Isso denota uma mudança no perfil de raça e gênero, já que nos anos anteriores as mulheres não brancas eram as mais sub-representadas.

Percentual anual de modelos por raça nos anúncios da revista Veja (2018-2023)

Embora haja aumento do percentual de não brancos na publicidade, podemos notar que a predominância de brancos persiste. O percentual de não brancos parece aumentar de forma mais considerável a partir de 2020. Talvez por conta da repercussão do assassinato de George Floyd nos Estados Unidos e a onda de debate racial decorrente. Vale aprofundar a pesquisa para averiguação mais exata. Ainda, o percentual de brancos nas peças publicitárias no último ano segue quase o dobro de não brancos.

Percentual anual de modelos por raça e gênero nos anúncios da revista Veja (2018-2023)

O percentual anual de raça e gênero nas peças publicitárias mostra como o percentual de mulheres não brancas cresceu, enquanto o de mulheres brancas diminuiu até ficar com proporções bem próximas ao primeiro grupo. Já o percentual de homens brancos segue praticamente intacto. Por sua vez, a proporção de homens não brancos cresce timidamente, se tornando o grupo mais sub-representado. Parece que, se há esforço de maior diversidade das marcas, ele passa pela mulher não branca, embora o grupo branco siga predominante. Vale frisar que apenas o último ano mostrou proximidade no percentual entre mulheres não brancas e mulheres brancas. Apenas a observação dos anos seguintes pode confirmar a tendência.

Percentual de gênero de modelos por tipo de produto nos anúncios da revista Veja (2018-2023)

O gráfico 5 mostra como há ainda algumas tendências de gênero na representação publicitária, ainda que em termos quantitativos haja relativo equilíbrio. As mulheres são mais associadas a produtos como joias, acessórios e roupas, geralmente atrelados aos cuidados com a aparência. Já homens são mais associados a automóveis, meios de comunicação de massa e alimento. O primeiro é mais associado à masculinidade no senso comum, os outros dois produtos podem se dever ao fato de celebridades homens aparecerem mais do que mulheres nos anúncios – outro dado da pesquisa -, e no caso dos alimentos, o homem pode ser mais visto como provedor ou chefe da família. Uma mudança em relação aos anos anteriores é o aumento de modelos mulheres em anúncios de banco ou serviço bancário, o que representa um avanço. Alguns itens apresentam número muito reduzido de anúncios para aferir tendências, como é o caso da propaganda governamental (só foi registrada uma) ou aparelho eletrônico (há apenas três peças).

Resumo:

  • Embora seja possível notar um aumento de pessoas não brancas na publicidade, o percentual de brancos segue alto, com um percentual de 83% nos últimos 5 anos.
  • Dentro desse percentual, há um recorte de gênero que sofreu uma inversão nos últimos anos: mulheres não brancas estão em 10%, enquanto homens não brancos estão em 7%.
    Pela primeira vez, o grupo de mulheres não brancas não é o menos representado, o que chama a atenção.
  • Por outro lado, homens brancos seguem sendo o grupo mais representado, com 44% contra 39% de mulheres brancas.
  • Em 2023 o percentual de não brancos em 2023 chegou a 35%, enquanto brancos somaram 65%. Chama a atenção nesse percentual que a proporção de mulheres não brancas se aproxima e chega a superar um pouco o de mulheres brancas, com 27% contra 25%.
    Já homens não brancos seguem em um patamar muito baixo, com 9% no último ano.
  • O ano de 2020 parece ter marcado um aumento mais considerável de não brancos na publicidade, pois a curva passa a crescer de modo mais considerável. Talvez tal fato tenha relação com a repercussão do caso do assassinado de George Floyd, que levou a manifestações por todo o mundo contra o racismo.
  • Nos anos de 2018 e 2019 o percentual de mulheres não brancas e homens não brancos era equivalente (6% cada), quando o primeiro grupo passa a superar o segundo em 2020.
    Esse dado chama a atenção para o quanto a discussão sobre a diversidade tem atingido a publicidade e parece ter como símbolo principal a mulher negra.
  • Mulheres estão mais associadas a certos tipos de produto, como joias, acessórios, roupas, cosméticos e viagens. Enquanto homens estão mais associados a automóvel, alimento e meios de comunicação de massa. Embora alguns números absolutos sejam relativamente pequenos, eles confirmam uma tendência já marcada pelos anos anteriores. Uma mudança é que homens e mulheres estão bem próximos nas peças de serviço bancário, antes dominada por homens.
  • Em tipo de produto, o mais marcante em relação a não brancos segue sendo tudo o que está associado a responsabilidade social. Bem atrás disso estão produtos como roupas e viagens.
    A associação entre raça e necessidade de assistência social ou mensagem de diversidade segue presente na publicidade.