Com o apoio do Instituto Serrapilheira e da Faperj1, o GEMAA realizou uma pesquisa para estimar a participação de pretos, pardos e indígenas nas ciências duras brasileiras. O levantamento foi feito em três etapas: em primeiro lugar, baixamos da plataforma Dados Abertos da CAPES uma planilha com dados brutos referentes ao registro de docentes de programas de pós-graduação no Brasil em 2020. Vale lembrar que a pós-graduação brasileira é responsável por mais de 80% da produção científica nacional. Na sequência, calculamos uma amostra aleatória estratificada com alocação proporcional de 1.705 professores nas grandes áreas de “Ciências Biológicas” e “Ciências Exatas e da Terra”, conforme classificação da CAPES. Na terceira e última fase, uma equipe de cinco pesquisadores(as) do GEMAA imputou a raça dos docentes, sendo esta última variável computada a partir do sistema de heteroclassificação múltipla e com base nas categorias do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – preta, parda, amarela, indígena e branca.

Dados sobre raça na ciência brasileira

A proporção de cientistas brancos vinculados a programas de pós-graduação em áreas como “Ciências Exatas e da Terra” e “Ciências Biológicas” no Brasil é de 12 vezes maior do que a presença de pretos, pardos ou indígenas. Em termos percentuais, brancos são 90,1% dos professores de pós-graduação nessas áreas, enquanto pretos, pardos ou indígenas somam apenas 7,4%, e amarelos são 2,5%.

Fonte: Elaboração própria

A despeito de existirem intensas desigualdades de gênero na ciência brasileira, com as mulheres representando cerca de ⅓ do total de homens nos quadros docentes de cursos de mestrado e doutorado do país (Gráfico 2), este problema se agrava quando consideramos as assimetrias raciais. Os homens brancos dominam as universidades, sendo 60,9% dos professores que conquistaram posições mais estáveis nas pós-graduações de STEM (Gráfico 3). O segundo grupo que mais ocupa postos em tais áreas é o de mulheres brancas, ainda que a proporção delas não chegue a ser metade da registrada para os homens brancos, compondo 29,2%. Em contrapartida, mesmo somados, homens e mulheres pretos, pardos ou indígenas ficam bastante sub-representados, sendo 7,4% do corpus analisado. Deste pequeno percentual, homens são 4,9% e mulheres 2,5%.

Fonte: Elaboração própria

Fonte: Elaboração própria

Nota-se, portanto, uma hierarquia que posiciona a parcela de mulheres pretas, pardas ou indígenas na pior colocação. Vale pontuar que computamos cientistas classificados como “amarelos”, que obtiveram proporção similar para mulheres e homens, sendo respectivamente 1,2% de cada gênero. Embora baixo, o desempenho dos docentes de cor amarela não é ruim pois este grupo também possui uma baixa proporção na população nacional.

Não bastassem as desigualdades gerais de participação, a ciência apresenta uma divisão de gênero do trabalho e também uma divisão racial do trabalho. O infográfico “Mulheres na Ciência Brasileira” demonstrou a concentração de mulheres em algumas áreas, muitas vezes menos valorizadas e associadas às atividades de cuidado, em detrimento da inserção maior de homens em profissões mais estimadas socialmente e caracterizadas como produtivas. Nos indicadores que construímos para as áreas de STEM, a variação entre disciplinas é mais complexa pois estamos dentro de um escopo similar de atuação, nos setores conhecidos como de “ciências duras”. Os pretos, pardos e indígenas são minoritários em todas (Gráfico 4), mas encontram-se em proporção relativamente maior em “Matemática/ Probabilidade e Estatística” (12,2%) e “Química” (11,7%). “Geociências” está na outra ponta, com só 3,5% de docentes deste grupo, seguida de “Ciência da Computação” (5,1%), “Biodiversidade” (5,2%), “Ciências Biológicas” (6.5%), “Astronomia/Física” (7,1%) e “Ciências Exatas e da Terra” (7,7%). Se fizermos um recorte na parcela da amostra de cientistas pretos, pardos ou indígenas, que são 7,4% do total, a distribuição das áreas registra nas “Ciências Biológicas” e nas “Ciências Exatas e da Terra” os melhores desempenhos de participação numérica do grupo, ou seja, em dados brutos, são estas duas áreas que mais possuem professores não brancos dentre os campos de STEM quando comparadas às demais supramencionadas.

Fonte: elaboração própria

As desigualdades raciais e de gênero nas ciências duras não reproduzem as já grandes desigualdades na sociedade: elas as aprofundam. Existem políticas de redução dessas desigualdades para as seleções docentes dos programas de pós-graduação analisados, como a Lei de Cotas nos Concursos Públicos (Lei 12.990/2014), mas elas têm tido uma eficácia limitada. Assumir um compromisso com a redução dessas desigualdades é importante não somente por uma demanda social, mas também para melhorar o funcionamento da própria ciência, pluralizando suas hipóteses, metodologias e práticas; fortalecendo suas contribuições para o conhecimento como um todo. O desafio não é trocar padrões de excelência por uma ênfase na diversidade, mas de recalibrar uma concepção de ciência no interior da qual a diversidade traz, como potencial, contribuições cognitivas robustas e alguma espécie de mérito, de modo que ela, ao lado da excelência, alcance o status de valor central ao fazer científico.

  1. Bolsa de pós-doutorado nota 10 de Marcia Rangel Candido, (SEI-260003/019653/2022). ↩︎