Desigualdades de Raça e Gênero no Secretariado Estadual
Diante dos desafios na busca pela equidade de gênero e raça, a presença de mulheres e pessoas negras em cargos de liderança torna-se um elemento crucial para a construção de uma sociedade mais justa e inclusiva. Em busca de mensurar a proporção das desigualdades de raça e gênero presentes no serviço público, o GEMAA realizou um levantamento sobre a presença de mulheres, pretos e pardos no secretariado dos governos dos estados brasileiros. A escolha de investigar os secretários e secretárias estaduais justifica-se pela influência direta que esses cargos exercem na elaboração, condução e implementação de políticas públicas.
Os principais resultados deste levantamento destacam a baixa representatividade do secretariado estadual em termos de raça e gênero. Os principais achados ressaltam não apenas a sub-representação geral, mas também a concentração regional e temática de mulheres e pessoas negras em cargos de liderança. A urgência de medidas assertivas para que tenhamos um serviço público equânime em termos de gênero e raça é enfatizada, especialmente diante da concentração desses grupos em determinadas regiões e pastas. Para saber mais sobre a metodologia utilizada, clique aqui.
No Gráfico 1, percebe-se que, a cada 10 secretários estaduais, apenas 1 é identificado como preto ou pardo. Esse número contrasta significativamente com a composição da população brasileira, onde 56% se declaram pretos ou pardos. Já no Gráfico 2 é possível observar que embora a presença das mulheres no secretariado estadual seja mais expressiva do que a dos homens negros, ainda assim, elas enfrentam uma sub-representação notável. Num cenário em que 51% da população brasileira se identifica como feminina, a composição do secretariado reflete apenas 30% de mulheres.
Fonte: Os dados populacionais foram extraídos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (IBGE, 2022).
Os dados referentes às distintas regiões do Brasil indicam que somente o Nordeste excedeu a média nacional em termos de representação feminina, com 37,2% em comparação com a média nacional de 29,7%. Das 170 secretarias, 80 (47,1%) estão localizadas nesta região. Mesmo superando a média nacional, a representação feminina permanece abaixo da composição populacional de cada região, incluindo o Nordeste.
A composição racial do secretariado estadual também apresenta certa concentração regional. Apenas as regiões Nordeste e Norte registram percentuais de pessoas pretas ou pardas superiores à média nacional, com 49 dos 60 secretários pretos ou pardos situados nessas áreas. No entanto, mesmo nessas regiões, a representação de pessoas pretas e pardas nos cargos de secretariado está muito aquém da sua composição populacional.
Adotando a categorização proposta por Cavalcante, Camões & Knop (2015), as secretarias estaduais foram agrupadas em quatro grandes setores: social, infraestrutura, econômico e órgãos centrais.
No que diz respeito às mulheres, há uma notável concentração em pastas sociais: das 170 identificadas como femininas, 91 (53,5%) ocupam posições nessas áreas. Similarmente, dos 60 secretários pretos ou pardos, aproximadamente metade (31) estão em pastas sociais, como Assistência Social, Cultura e Esportes, conforme indicado no Gráfico 5. Essa concentração de pessoas pretas e pardas, especialmente mulheres, em pastas que predominantemente tratam de questões sociais sugere a persistência de estigmas e estereótipos que associam pessoas negras e mulheres a determinados temas, limitando suas representações em áreas consideradas estratégicas, como economia e infraestrutura.
Em síntese, as análises detalhadas da composição do secretariado estadual brasileiro revelam um quadro complexo de desigualdades de gênero e raça. A sub-representação persistente de mulheres e pessoas pretas ou pardas em posições de liderança evidencia a necessidade políticas de ações afirmativas que possam mitigar as profundas desigualdades presentes no setor público. A concentração desses grupos em setores sociais, apesar de sua relevância, levanta questões sobre estigmas e estereótipos, limitando sua representação em áreas que tradicionalmente não refletem a mesma diversidade.
Além de medidas assertivas para reverter esse quadro de sub-representação de mulheres e pessoas pretas ou pardas e sua concentração regional e temática, o presente levantamento reforça a necessidade de ampliarmos a disponibilização de dados sobre as pessoas que ocupam posições no setor público, em especial as informações autodeclaratórias sobre raça e gênero. Apenas com mais e melhores dados será possível evidenciar tais desigualdades ao longo do tempo e propor, por meio de análises e estudos, caminhos para o avanço da representatividade nas posições do setor público.
Metodologia
Para realização do levantamento, listamos todas as secretarias do Brasil e seus líderes em julho de 2023 a partir, em grande medida, dos sites oficiais dos governos estaduais. Identificamos 572 secretarias, excluindo órgãos sem status de secretaria como Procuradorias Gerais e Casas Militares. Organizamos as secretarias em quatro grandes setores (social, infraestrutura, econômico e órgãos centrais) para facilitar a análise.
Em seguida, para identificar o gênero dos responsáveis, combinamos duas fontes: o nome da pessoa e uma foto, usando a plataforma “Nomes do Brasil” do IBGE, que distribui os nomes por gênero com base no Censo Demográfico. Para garantir precisão, consultamos também fotos. Apesar de ser uma abordagem binária (masculino ou feminino), essa metodologia nos ajudou a avançar diante da falta dessas informações.
Quanto à identificação racial, usamos o método chamado “heteroclassificação múltipla e tolerante”, elaborado pelo GEMAA. Esse método se baseia em fotos dos ocupantes das secretarias estaduais disponíveis na internet. Como raça é uma construção social complexa e historicamente determinada, atribuir uma identidade racial a alguém torna-se controverso e incerto. Reconhecendo essa complexidade, o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) desenvolveu a heteroclassificação múltipla como uma abordagem para estimar como as pessoas são classificadas racialmente, reduzindo a incerteza por meio da opinião de codificadores.
Essa metodologia, embora busque minimizar a incerteza, reconhece a possibilidade de casos duvidosos. Dada a hipótese central das pesquisas do GEMAA de que a presença de pretos e pardos em cargos de poder é reduzida, a heteroclassificação múltipla adota um critério de tolerância. Em situações de dúvida classificatória, a opção é por categorias como “preta” ou “parda”, reforçando a perspectiva de sub-representação desses grupos em espaços de poder.
Importante destacar que, neste levantamento, a heteroclassificação não busca validar autodeclarações raciais, uma vez que tais dados não estão disponíveis. Em vez disso, a metodologia adotada visa preencher essa lacuna, considerando a escassez de informações autodeclaratórias sobre raça.