Levantamento das Políticas de Ação Afirmativa nas Universidades Públicas brasileiras – Dashboard
A maior parte das ações afirmativas foi implementada nas universidades estaduais na primeira década dos anos 2000, quer via resoluções internas das próprias instituições, quer via leis estaduais. Na década seguinte, as adesões à política foram tímidas, jamais ultrapassando 4 casos por ano. Essa tendência é explicada pelo fato de, após a primeira década, terem sobrado poucas universidades estaduais sem ação afirmativa. A partir de 2021, todas contavam com algum tipo de programa dessa natureza.
O padrão de implantação de políticas de ação afirmativa nas universidades federais seguiu um padrão diferente daquele observado nas estaduais. É preciso levar em conta o fato de as federais estarem administrativamente reunidas sob o Ministério da Educação, e estarem submetidas, como um todo, à leis e regulamentos federais. As estaduais são, nesse sentido, mais diversas pois dependem das leis e regulação do estado no qual estão localizadas. Todas gozam de autonomia, mas essa autonomia é limitada, particularmente do ponto de vista administrativo. Nos primeiros anos da série temos universidades federais que adotaram políticas de ação afirmativa por decisão de seus conselhos internos, de modo similar a várias estaduais que também o fizeram. Mas em 2008, o pico de adesões se justifica pela adesão de várias federais ao REUNI, programa do Governo Federal que incentivava a adoção de políticas de inclusão. O pico de 2012 e o grande número de adesões em 2013 e 2014 são produtos da Lei 12.711, que forçou as federais que ainda não haviam adotado ações afirmativas a seguirem os parâmetros do programa ditado pela lei, que, entre outras coisas, especificava um prazo de quatro anos para total adesão da instituição federal. Os casos de 2019 não são propriamente uma expansão das ações afirmativas, pois referem ao desmembramento de algumas universidades federais. As instituições resultantes desse processo já foram criadas com a política especificada pela lei.
Nas universidades estaduais, as vagas reservadas pelos programas de ação afirmativa nunca ultrapassaram aquelas destinadas à ampla concorrência. Em 2020, a diferença entre esses dois tipos de vaga foi de 8.058, a menor quando tomamos como ponto de partida o ano de 2012. A tendência de diminuição dessa diferença, claramente mostrada pelo gráfico, não se manteve no ano seguinte, 2021, quando aumentou para 10.152.
A Lei 12.711, de 2012, tornou obrigatório para as universidades federais a adoção de políticas de ação afirmativa de acordo com um programa de parâmetros mínimos, que incluem critérios de origem escolar (pública), renda e raça. Algumas universidades, a despeito de terem aderido à Lei, não abriram mão de programas próprios que beneficiam grupos específicos. Como a Lei dita reserva mínima de 50% do total de vagas para o programa, a combinação de tal reserva com as preexistentes mantidas pelas instituições fez com que o número de vagas reservadas ultrapassasse o de vagas para a ampla concorrência em 2016, ano que marca o fim do prazo de implantação do programa federal de cotas ditado pela Lei. Essa superioridade numérica das vagas reservadas se manteve em 2021, embora com vagas 13.268 a menos do que no ano anterior, número similar ao observado em 2019.
Historicamente, as universidades estaduais têm dado mais espaço às cotas sem recorte racial (cotas sociais) do que às raciais. Tais cotas sociais adotam como critérios do benefício a renda familiar dos(as) estudantes e/ou o tipo de escola que frequentaram. Em 2021, as cotas raciais perderam espaço nas estaduais em relação ao ano anterior, realidade acompanhada por um leve crescimento das cotas sociais.
Desde que a Lei 12.711 foi aprovada, apenas em 2016 as universidades federais ofereceram mais vagas sem recorte racial do que com esse recorte. De fato, a leve preponderância numérica das vagas de cotas raciais têm sido o padrão nessas instituições nos últimos anos. Contudo, esse gráfico revela detalhes importantes da diminuição da diferença observada entre o total de vagas reservadas e vagas na ampla concorrência, observada no gráfico anterior. Tal diminuição se deu quase que exclusivamente nas vagas reservadas pelas cotas raciais, com correspondente aumento das vagas disponibilizadas para a ampla concorrência. As causas por trás desse resultado são incertas, mas podem ter a ver com os critérios de redistribuição de cotas não preenchidas.
Proporção de vagas reservadas nas universidades federais e estaduais (2013 – 2021)
Ainda que as universidades estaduais tenham sido pioneiras na implantação de ações afirmativas no Brasil, as federais passaram a reservas uma proporção maior de vagas para políticas de ação afirmativa. Como já mostramos em levantamentos passados, essa ultrapassagem deve ser atribuída à implantação da Lei 12.711, que afetou diretamente somente as federais. No entanto, 2021 foi um ano em que as reservas caíram em ambos os tipos de universidade. Tal queda foi ligeira e provavelmente foi causada por fatores macro, de natureza social ou econômica, pois os arcabouços regulatórios dessas universidades são diversos.
De 2020 para 2021, as cotas de recorte racial foram as mais afetadas negativamente, seja nas universidades federais (-4%), seja nas estaduais (-2%), ao mesmo passo em que os recortes não-raciais cresceram em 1% nos dois tipos de universidade. Pessoas com deficiência continuam a encontrar mais espaço nas universidades federais do que nas estaduais. Ambos tipos de instituição de ensino superior mostraram-se menos inclusivas para esse público em 2021.
De 2020 para 2021, as cotas de recorte racial foram as mais afetadas negativamente, seja nas universidades federais (-4%), seja nas estaduais (-2%), ao mesmo passo em que os recortes não-raciais cresceram em 1% nos dois tipos de universidade. Pessoas com deficiência continuam a encontrar mais espaço nas universidades federais do que nas estaduais. Ambos tipos de instituição de ensino superior mostraram-se menos inclusivas para esse público em 2021.
Percentual de reserva de vagas por região em 2021
As universidades federais reservam mais vagas que as estaduais em todas as regiões brasileiras, com exceção da Norte. A segunda discrepância mais acentuada é observada no Nordeste, agora em favor das federais, que reservam 12% de vagas a mais do que seus pares estaduais. É digno de nota o fato de as federais na região Sul reservarem 55% de suas vagas, pois a região é que tem a menor proporção de PPI (pretos, pardos e indígenas) do país. As federais da região Norte também atingem a mesma marca, mas essa região é a de maior proporção de PPIs do país, além de ter programas de ação afirmativa especiais para povos indígenas, que são mais raros no sul. Por fim, o Sudeste, cujas universidades públicas acumularam um histórico de aversão à adoção da ação afirmativa, é a única região na qual as federais cumprem estritamente o mínimo das reservas. Todas as outras regiões ultrapassam essa marca.
Variação percentual do número total de vagas por região (2020 x 2021)
No gráfico, constatamos a queda geral de oferta de vagas na federais, que, como também mostramos em gráfico acima, não tiveram mudança na oferta de vagas ofertadas na ampla concorrência, mas sim nos programas de ação afirmativa. O Sudeste foi uma exceção, pois ambos os tipos de universidade nessa região ofereceram mais vagas em 2021, ainda que o crescimento tenha sido tímido. Isoladamente, o maior crescimento foi observado nas estaduais do Centro-Oeste, que ofereceram 58,58% de vagas a mais no período. Já o maior recuo se deu nas estaduais do Norte, que disponibilizaram 40,35% a menos de vagas para os(as) candidatos(as) que enfrentaram os seus processos seletivos. Ainda que a pandemia e seus efeitos possam ser creditados por esses resultados, é digno de nota o fato de as universidades estaduais apresentarem maior instabilidade se comparadas a seus pares federais.
Variação percentual do número total de vagas por região (2020 x 2021)
A porcentagem de vagas reservadas regrediu nas universidades públicas de todas as regiões brasileiras de 2020 para 2021, menos nas estaduais situadas no Centro-Oeste, que marcaram um crescimento de 46, 26%. As quedas mais fortes se deram nas estaduais nordestinas e nortistas, com as porcentagens negativas ultrapassando a casa dos 30%. Aqui notamos um padrão similar ao do gráfico anterior, da oferta total de vagas. Mas é preciso notar que as reservas de vagas sofreram mais redução do que a oferta total, o que indica a provável existência de mecanismos perversos no funcionamento dessas instituições ou das políticas que acabam por sacrificar primeiro as medidas de inclusão, perante um cenário de crise.